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Tribuna de Minas - Luvas e Aluguel Alto: Entraves para lojistas

Sem conseguir arcar com os reajustes, comerciantes são obrigados a fechar as portas e demitir

Comerciantes da região Central de Juiz de Fora reclamam de uma prática que está se tornando comum na cidade: a cobrança de luvas para a prorrogação dos contratos de locação de lojas da principal área comercial do município. Além disso, reajustes nos valores de aluguel acima do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), utilizado para a correção da maioria dos contratos de locação, têm levado alguns lojistas a abrirem mão de seus negócios, fechar as portas e demitir funcionários. Uma empresária do ramo de vestuário, que prefere não se identificar, está vivenciando o problema. "Sempre trabalhei no setor. Há cinco anos estou estabelecida no mesmo ponto, criei meu nome e minha clientela. Agora, a proprietária aumentou o aluguel de R$ 3 mil para R$ 4 mil, e ainda exige um pagamento retroativo aos últimos 11 meses no valor de R$ 11 mil." A cobrança significa um reajuste de 33,3%, três vezes maior que o IGP-M acumulado nos últimos 12 meses, que aponta uma variação de 11,1%. "Para me deixar na loja a locadora pede ainda a renovação das luvas no valor de R$ 100 mil, para um contrato sem prazo de vencimento estipulado, e um pagamento de aluguel de R$ 6 mil. Ela diz: 'ou paga ou sai'". Além disso, a lojista revela que o pagamento das luvas teria que ser feito em dinheiro, sem nenhum recibo.

A comerciante afirma que quando se estabeleceu no local teve que pagar luvas de R$ 45 mil. Há poucos meses, gastou R$ 40 mil em reformas no imóvel. "Troquei tudo na loja e ainda estou pagando empréstimo que fiz para realizar as obras." Para ela, a única solução pode ser encerrar as atividades. "Meu marido, que é meu sócio, terá que procurar um novo emprego. Tenho criança pequena e não poderia trabalhar agora. Além disso, três funcionárias ficarão desempregadas. Vou tentar o caminho da Justiça."

Para o advogado Flávio Tavares, que representa a comerciante e mais outros 11 lojistas que vivem a mesma situação, a prática é ilegal. "As coisas ficam às escuras. Em geral, os proprietários não dão recibo do pagamento de luvas. O locatário só consegue fazer negócio se pagar as luvas e se sujeitar às imposições."

Advogado especialista na área imobiliária e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Juiz de Fora, Joaquim Armindo Thomaz confirma a ilegitimidade da prática. "Essa cobrança de luvas é totalmente ilegal, mas acontece muito. Infelizmente, pela lei da oferta e da procura, é assim que a coisa funciona nas locações comerciais. Tanto que, quando é cobrada luvas, não é dado nenhum recibo. Já quando é oficializada, vem maquiada sobre a forma de 'repasse de instalações'."

O delegado do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de Juiz de Fora (Creci- JF), Ronaldo Tomaz, afirma que a prática de cobranças que não estão registradas em contrato precisam ser coibidas através de denúncias. "Se há algum corretor ou alguma imobiliária conivente com a situação, o Creci desconhece. Quando informados, abrimos uma sindicância que pode acabar na suspensão da autorização para exercer a função de corretor de imóveis."

Prejuízo para quem tem ponto consolidado

O advogado Flávio Tavares entende que tem ocorrido uma inversão de valores nos contratos de locação comercial no Centro de Juiz de Fora. "A cobrança das luvas era para garantir o direito de preferência, uma forma de proteger o ponto comercial, e a valorização do ponto ocorre por conta do inquilino. Além do prejuízo financeiro, a prática compromete todo o investimento do empresário. Para recuperar o capital investido, leva tempo. Quando estão obtendo algum retorno, o ciclo se reinicia."

Gerente regional do Sebrae em Juiz de Fora, José Roberto Lobo reforça a opinião do advogado. "O tempo para uma empresa se consolidar varia entre um ano e meio e dois anos, dependendo do segmento." Porém, para ele, a cobrança de luvas é uma prática comum e acaba estimulada pelo próprio comércio. "Realmente causa um impacto. Os empresários têm que buscar alternativas, como um ponto mais condizente com sua realidade ou um projeto financeiro que possa amenizar estes custos ao longo do ano." Mesmo assim, Lobo admite que a prática pode condenar a sobrevivência de pequenos e médios empresários na principal área comercial da cidade. "Isso é um fato. Com esses preços, estes espaços ficarão mais seletivos, o que pode dificultar que pequenos investimentos prosperem na região."

Essa também é a opinião do presidente do Sindicato do Comércio (Sindicomércio), Emerson Beloti. "Muitas empresas vindas de fora, com realidades diferentes da nossa, estão aquecendo o mercado imobiliário no Centro. Isso atrapalha a negociação entre o comerciante já estabelecido e o dono do imóvel. A locação é valorizada e compromete a rentabilidade da empresa."

Para o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Juiz de Fora (CDL-MG), Vandir Domingos, a prática é altamente nociva. "Isso condena várias atividades comerciais. Os preços do mercado imobiliário em Juiz de Fora são irreais. Até mesmo se comparado ao de cidades de maior porte que a nossa. O comerciante fica refém. Ou aceita e paga para morrer lentamente, ou morre de uma vez."

Prática impulsiona taxa de desemprego

Nos três primeiros meses do ano, a cidade de Juiz de Fora perdeu 733 vagas de emprego, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Bem diferente do registrado no mesmo período de 2010, quando o saldo foi positivo, com a criação de 990 novos postos de trabalho. O comércio foi quem mais contribuiu para este número, com uma baixa de 827 vagas no trimestre. Comerciante do segmento de calçados, Ricardo Heluey acredita que boa parte da redução nas vagas do comércio local foi causada pelos altos preços praticados pelo mercado imobiliário da cidade. "Mantive uma loja na Rua Marechal Deodoro por 20 anos e tive que fechar por conta dos custos do aluguel. Lá, empregava seis funcionários. Hoje, estou instalado em uma loja menor e tenho apenas uma funcionária."

Outra comerciante do ramo de roupas que prefere não se identificar fechou as portas de sua loja em fevereiro e demitiu três funcionárias. "Tinha o negócio há seis anos. Meu contrato venceu e, na renegociação, o aumento pedido era superior a 50%. As lojas não conseguem se manter. Tinha três funcionárias e apenas uma delas foi reempregada, com um contrato de experiência, fora do comércio."

Uma de suas ex-funcionárias, Marta Alves, garante que trabalhar no comércio passou a ser sua última opção. "Aproveitei para estudar e fazer um estágio na minha área, publicidade. Mas sei de outros que perderam seus empregos no comércio e estão com dificuldades em encontrar um nova vaga."

Por Renato Salles
Jornal Tribuna de Minas
Publicado em 24/04/2011